O documentário “Pro dia nascer feliz”, dirigido por João Jardim e lançado em 2005, narra a realidade de escolas públicas e particulares de diferentes estados do Brasil pela ótica dos alunos, professores e outras pessoas que, de alguma forma, estejam relacionadas à comunidade escolar.
O filme começa em Manari, Pernambuco, uma das cidades mais pobre do estado. A Escola Estadual Cel. Souza Neto apresenta uma estrutura precária, como de uma obra inacabada, com o mato crescendo alto, banheiro em condições insalubres, carteiras de madeira rústica, quadro de giz. É uma escola de ensino fundamental, porque na cidade não há escola de ensino médio.
Apesar das dificuldades, a estudante Clécia, de 13 anos, aponta que as pessoas criticam o ensino da escola. No entanto, ela acredita que a escola ensina certo e que os alunos é que não prestam atenção. Ela prefere ir à escola, estudar e aprender, do que ficar em casa assistindo televisão ou perder tempo na rua.
“Aqui, na maioria das vezes, a gente não tem nem chance de sonhar”, diz Valéria de 16 anos, que gosta muito de ler e, por isso, é vista como diferente pelos colegas que não têm esse costume. Logo a seguir, declama um poema em que explana suas angústias e questões sobre ser criança e ao mesmo tempo ter responsabilidades de adulto: “Eu deveria frequentar ambientes de lazer, se não tivesse que trabalhar”. Mas nem mesmo isso lhe tira o que ela chama paixão pela arte de viver. Quando entrega suas redações e poemas, recebe nota baixa por que os professores não acreditam que foi ela quem os escreveu.
Para os alunos que precisam frequentar o nível médio, o prefeito disponibiliza dois ônibus antigos para que os estudantes possam se dirigir à outra cidade, Inajá, e estudar. Acontece que a estrutura dos ônibus é tão precária quanto das escolas: estofados rasgados, tábuas de madeira no lugar dos assentos inexistentes. Durante as duas semanas de filmagem, a estudante Valéria foi somente três vezes à escola por que os ônibus estavam quebrados. São 31 km de viagem para estudar na Escola Estadual Dias Lima, na cidade de Inajá. Os alunos destacam a ausência dos docentes principais em sala de aula quando chegam lá, e como o desconhecimento dos professores do que acontece sob suas responsabilidades afeta o todo. Por outro lado, a professora Denise comenta a respeito do desinteresse dos alunos em se manterem em sala de aula, preferindo, segundo suas palavras, ficar pelos corredores e pelas ruas, namorando. Para a professora, isso a desestimula, além do fato de que, em alguns dias, a responsabilidade do professor na escola recai sobre duas salas ao mesmo tempo na ausência de algum outro colega de profissão.
Dona Nenê, diretora da escola em Inajá, fala sobre a avaliação dos alunos, dizendo que os “conceitos são insatisfatórios” e que os professores são obrigados a oferecer uma nova oportunidade de recuperação paralela. Ressalva a dificuldade mesmo de isso ocorrer, por conta do tempo que os professores não dispõem de rever conteúdo e marcar as avaliações, tendo que relegar parte dessas responsabilidades aos alunos.
Já a situação estrutural do Colégio Estadual Guadalajara, em Duques de Caxias, Rio de Janeiro, é um pouco melhor. Porém, a criminalidade está cada vez mais próxima aos alunos. Há uma boca de fumo a poucos metros do colégio. Na relação social entre aluno e professor, a desigualdade é grande, levando para um caminho de agressão verbal e desrespeito hierárquico visto como algo engraçado por alunos desmotivados. Outro ponto destacado é o desafio educacional e o paradoxo de se passar ou não um aluno que não possui um bom rendimento durante o ano: Deivison Douglas, 16 anos, oitava série do ensino fundamental. Ele parece considerar a “escola da vida” um status social mais importante do que a da instituição. Porém, como é frisado, tendo o apoio e o acompanhamento certo, pode ser a diferença no futuro que o aguarda.
A Escola Estadual Parque Piratininga II, em Itaquaquecetuba, apesar das dificuldades da periferia, consegue bons resultados no ENEM e conta com a participação da comunidade no ambiente escolar. Como se a escola fosse uma atração do bairro. Como as outras escolas, essa também não apresenta um ambiente perfeito. Suas deficiências são apresentadas pelos alunos, como a falta de professores. “Tá todo mundo cansado de ouvir quais são os problemas na educação, mas ninguém faz nada”, disse a professora Celsa, que precisa fazer terapia pelo menos uma vez por mês para aguentar a pressão psicológica que uma sala de aula traz.
A diferença é gritante quando o ambiente escolar pertence a uma classe privilegiada. Tanto estruturalmente quanto socialmente. O Colégio Santa Cruz, localizado no bairro Alto de Pinheiros, em São Paulo, traz estudantes com preocupações quase que opostas às dos estudantes das outras instituições visitadas. Os alunos deste colégio estão somente focados em tirar boas notas e cumprir suas atividades extraescolares, como yoga e natação. Seus questionamentos pessoais são sobre o poder que o dinheiro lhes dá e, portanto, sobre a desigualdade do país.
O abismo entre as escolas observado no documentário demonstra o descaso do governo com a educação básica, principalmente nas escolas afastadas das grandes metrópoles. É clara a necessidade de investimento e de mudança no sistema educacional do país em parceria com outros setores. É preciso reformular a escola, um dos primeiros ambientes sociais em que a criança e o adolescente se encontram, para que se torne um ambiente seguro, tanto para aluno quanto para os servidores, observando também a questão da segurança pública da sociedade ao redor. A violência no ambiente escolar não ocorre apenas entre alunos, na configuração de bullying e com consequências tão sérias como a narrada ao final do documentário em que uma aluna dá uma facada em outra, causando a morte dela. A violência afeta também os professores, quer seja verbal ou física.
A valorização dos professores é urgente, uma vez que vemos no documentário que há quem considere a lei muito permissiva quanto às faltas que eles realizam. Faltas essas que ocorrem por motivos de saúde, em alguns casos. Valorizar o professor e a professora com políticas que lhes permitam se especializar, salários decentes, condições básica de ministrar suas aulas a turmas de tamanhos cabíveis e acompanhamento de sua saúde física e mental.
A escola precisa se tornar atrativa à sociedade e ao estudante que, por conta das regras e limites que o ambiente oferece, não a considera tão interessante ou libertadora quanto o mundo fora de seus muros. Projetos sociais realizados entre sociedade e escola, com participação direta dos alunos, podem desenvolver um novo olhar para o ambiente escolar.
Apesar das diferenças de classes, observamos a visão de futuro semelhante por parte dos alunos, que esperam uma mudança positiva em sua realidade, e dos professores e futuros mestres em busca da valorização do seu trabalho ao buscarem meios de incentivar os alunos a não abandonarem a escola em meio a todas as dificuldades.
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