sábado, 19 de janeiro de 2019

Ensaio sobre o poema "Quadrilha", de Carlos Drummond de Andrade

Quadrilha

JOÃO AMAVA Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos. Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou-se com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.

(ANDRADE, Carlos Drummond de. Alguma poesia. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. P. 54)

Esta é uma análise sintática do poema Quadrilha.

O poema Quadrilha inicia com a afirmação de que “João amava Teresa que amava Raimundo….”. Contando com este, são três versos em que o autor apresenta cinco vezes a conjunção que. Segundo Bechara (1999, p. 464), “a marca de que a oração independente passou pelo processo da subordinação, a funcionar como membro de uma outra oração, é o que. Portanto, poderíamos transformar os primeiros versos subordinados do poema em pequenas orações independentes: “João amava Teresa. Teresa amava Raimundo”, e assim por diante. Ou mesmo em orações coordenadas: “João amava Teresa e Teresa amava Raimundo”. Seguramos essas orações para entender o que vem a seguir.

Nos versos, o que não somente sinaliza serem essas orações subordinadas, mas também funciona como anáfora para que não haja necessidade de se repetir os pronomes pessoais João, TeresaRaimundo e todos os outros que se seguem. O que, também, é sujeito dentro das orações. Portanto, pronome relativo.

Duarte (2007) nos recomenda iniciar a análise da oração pelo verbo, uma vez que há orações sem sujeito que pedem somente um argumento: “Choveu”, por exemplo. Drummond coloca o primeiro ponto final logo após a oração “que não amava ninguém”. Para encontrar o sujeito da oração, precisamos observar o verbo flexionado no período composto (aquele que tem mais de uma oração) e definir a estrutura argumental que ele seleciona. “Amava”, no caso, pede alguém que ama alguém ou alguma coisa. Portanto, “quem João amava?” traz o argumento externo “Teresa”. O sujeito do período é, então, João, sendo Teresa objeto direto desse amor. Poderíamos, é claro, também perguntar “quem amava Teresa?”. Do mesmo modo, a resposta seria João. Mas “quem amava Raimundo?” nessa oração composta? É neste momento que observamos o que retomando Teresa e nos ajudando a encontrar a resposta: é Teresa que amava Raimundo. E assim sucessivamente até Lili, que não amava ninguém.

Se tomarmos a oração do seu início ao ponto final, teremos outros elementos a analisar: logo após a oração completa “João amava Teresa”, temos um grande adjunto adnominal que poderia ser removido sem afetar o entendimento da oração. Mas como efeito poético, ele se torna um elemento necessário, com um encadeamento chave.

Já na segunda parte do poema, nos versos de quatro a sete, temos cinco orações coordenadas separadas por vírgula e uma ligada pelo conector aditivo e, também chamada de conjunção coordenativa. A última oração, logo após a vírgula, é subordinada e também um adjunto adnominal. Esta última oração não apenas retoma o nome J. Pinto Fernandes (que não tinha entrado na história), mas tem o efeito de retomar os primeiros versos onde tem a maior ocorrência da conjunção que. Drummond poderia ter finalizado as cinco primeiras orações com um ponto final ou mantido todas elas conectadas pelo e que ainda assim se manteriam como coordenadas, mas, neste último caso, talvez gerasse uma certa estranheza na declamação de Quadrilha.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Todos os comentários são bem-vindos desde que não sejam ofensivos. Estes não serão publicados.

Outbrain